13 de abril de 2014

CRIAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO EM 1974: Ministro do Trabalho no I Governo provisório: Avelino Pacheco Gonçalves

Salário Mínimo: 3.300 escudos (600 euros)

Presidência do Conselho de Ministros
Decreto-Lei n.º 217/74 de 27 de Maio
 1. O regime deposto pelo Movimento das Forças Armadas em 25 de Abril deixou a economia nacional em grave situação de depauperamento e instabilidade e manteve a generalidade do povo português, especialmente a classe trabalhadora, em níveis de vida muito baixos.
 Será longa e árdua a correcção de todos estes desequilíbrios sociais e económicos, mas nela se empenha o Governo Provisório na aplicação do Programa do Movimento das Forças Armadas.
 2. Passada uma primeira fase de intervenções, dirigidas essencialmente a assegurar o funcionamento corrente da vida do País e a evitar as tentativas de especulação económica, é tempo de adoptar um conjunto de disposições que simultaneamente possam abrir caminho para a satisfação de justas e prementes aspirações das classes trabalhadoras e dinamizar a actividade económica.
 Trata-se de disposições transitórias que, na sua maior parte, vigorarão apenas cerca de um mês - período de tempo julgado suficiente para aprofundar e completar estudos em curso e para avaliar certas consequências da evolução social e económica, bem como dos resultados das próprias medidas agora adoptadas.
 3. Não se conhecem experiências estrangeiras em que os níveis de preços, sobretudo dos bens essenciais, se tenham mantido estáveis a seguir a acontecimentos como os que se deram em Portugal a partir de 25 de Abril - tanto mais que a tendência inflacionista vinda de trás se agravara fortemente a partir do final do ano passado.
A estabilidade que se verificou entre nós deve-se às disposições de contenção tomadas pela Junta de Salvação Nacional, mas também ao elevado espírito de civismo demonstrado em todas as circunstâncias pelo Povo português.
 É indispensável que se compreenda não ser possível alterar repentinamente e tão profundamente quanto seria necessário e justo os níveis de remuneração e de vida - sob pena de voltarem a subir os preços, se avolumarem as dificuldades de muitas empresas, crescer a tensão social e a insatisfação popular e se abrir, assim, a porta para o retorno a formas de vida antidemocráticas, comprometendo-se todas as conquistas e progressos já alcançados. Confia-se nos trabalhadores e também nos dirigentes de empresas e serviços: a hora é de iniciativa e não de retracção ou temor, pois de outro modo não haverá desenvolvimento e capacidade económica nem criação de novos postos de trabalho produtivo e remunerador - o que obrigaria o Estado a assumir funções que só lhe competem em termos supletivos.
 4. Não podendo ocorrer imediatamente a todas as necessidades justas, o Governo adoptou um esquema de intervenções coordenadas, mas escalonadas no tempo.
 Assim, decreta-se imediatamente um conjunto de benefícios sociais especialmente dirigido a melhorar a situação das classes que se encontram em pior situação.
O País compreenderá que não podia hesitar-se quanto a este ponto - mesmo que isso signifique sacrifícios temporários para outros grupos sociais.
 A decisão de garantir remuneração mensal não inferior a 3 300$00 aos trabalhadores por conta de outrem beneficiará cerca de 50% da população activa; no sector público, serão mais de 68% dos funcionários abrangidos por esta medida; e as excepções que se apontam na lei terão carácter temporário, prevendo-se para breve a tomada de decisões nesse campo.
 5. Ao mesmo tempo que se define um valor abaixo do qual não poderão situar-se as remunerações, procurou atender-se às diferenças existentes quanto a encargos familiares. Assim, o abono de família por cada filho a cargo é aumentado para 240$00.
E também se olhou à situação dos reformados e beneficiários de pensões de invalidez, adoptando-se um critério proposto pela Organização Internacional do Trabalho, segundo o qual o nível mínimo dessas pensões deve atingir 50% do nível das menores remunerações; isto é, passa-se de cerca de 800$00 para 1 650$00 para os sectores de indústria e serviços.
 É ainda instituída uma pensão social abrangendo as pessoas que não estando incluídas nos regimes de previdência se encontram neste momento inscritas nas instituições de assistência.
Pretende-se, deste modo, dar os primeiros passos no sentido da substituição progressiva dos sistemas de previdência e assistência por um sistema integrado de segurança social.
 6. A elevação dos vencimentos dos funcionários públicos administrativos e equiparados das categorias de menor remuneração até ao nível de 3 300$00 não pode interpretar-se como a revisão de ordenados que há muito se impunha e que o Governo preparará no prazo de um mês. Compreender-se-á que em matéria tão difícil, que obriga a pesar cuidadosamente os encargos financeiros e a buscar-lhes a cobertura adequada, bem como a ponderar em que termos deverão fixar-se diferenciações de vencimentos por categorias hierárquicas, seja necessário aguardar um pouco mais. 7. No sector privado considerou-se inviável de momento o acréscimo de vencimentos já superiores a 7 500$00, quantia que ultrapassa apreciavelmente a média dos salários auferidos pelos trabalhadores. Entre os valores de 3 300$00 e 7 500$00 mantém-se a possibilidade de continuar o diálogo e a negociação para se encontrarem soluções justas e equilibradas, mas o Governo reserva-se o poder de intervir quando entenda que se corre o risco de comprometer o equilíbrio económico ou a justiça social.
 8. Os estudos referentes ao aumento previsível da massa salarial mostram que o processo poderá evoluir sem tensões importantes. Mas é essencial que os efeitos sejam, efectivamente, de redistribuição do rendimento nacional entre o trabalho e o capital, em vez de se transformarem em factor de alta de preços.
 Numa primeira fase, decreta-se o total congelamento dos preços ao nível de 24 de Abril. Já se referiu que o comportamento das empresas e dos consumidores tem sido o mais favorável, não se verificando tendências altistas dos preços nem de açambarcamento ou acréscimos anormais de consumo.
 O processo inflacionista que estava em curso rápido foi dominado numa primeira e difícil fase: é determinação firme do Governo promover as medidas necessárias ao seu abrandamento.
 9. Caso particular e muito importante é o da habitação.
Devido à forte incidência das rendas de casa no agravamento das condições de vida, tornaram-se necessárias medidas urgentes que serão objecto de diploma a publicar e que tomará em conta a necessidade de garantir o ritmo de actividade da indústria da construção.
 10. Muitas empresas terão algumas dificuldades em se adaptarem rapidamente aos novos condicionalismos.
Entendeu o Governo que o simples facto de um sector ou empresa estar em condições de excepcional prosperidade financeira não deverá constituir razão para que cresçam anormalmente os níveis de vencimentos dos respectivos trabalhadores; tal caminho agravaria as desigualdades dentro da própria classe trabalhadora, criaria situações de injustiça e não asseguraria a melhor aplicação aos recursos dessa forma distribuídos.
Daí, a inclusão no dispositivo decretado do congelamento de ordenados acima de determinado nível. Ainda assim, haverá situações difíceis.
Ressalvados os casos de empresas muito pequenas, será pela via dos estímulos de ordem financeira que, de imediato, se irá actuar. Nesse sentido, o Governo procederá à revisão imediata da orientação política monetária, por forma a facilitar o apoio creditício às actividades produtivas com interesse para o desenvolvimento económico do País. Relativamente às pequenas e médias empresas, é criada uma comissão com o objectivo de alargar as formas de apoio de que venham a carecer. Mas está o Governo consciente de que virão a impor-se actuações de outra natureza, envolvendo transformações na estrutura dos sectores e na organização e produtividade das empresas.
 11. As medidas provisórias decretadas em matéria de vencimentos virão a ser revistas, num sentido mais amplo, quando as novas leis do trabalho, regulando a greve, o lock-out, a constituição e funcionamento dos organismos sindicais e patronais e a contratação colectiva, bem como a legislação a publicar sobre segurança social entrarem em vigor.
 Da receptividade do País ao que agora se determina dependerá o sentido das intervenções ulteriores. De todos os portugueses se espera a cooperação nesta obra comum de progresso, na liberdade responsável e na paz social. Nestes termos, usando da faculdade conferida pelo n.º 3.º do n.º 1 do artigo 16.º da Lei Constitucional n.º 3/74, de 14 de Maio, o Governo decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte: Artigo 1.º - 1. A todos os trabalhadores por conta de outrem, incluindo funcionários públicos e administrativos, é garantida uma remuneração não inferior a 3 300$00. 2. Não se aplica o disposto no número anterior: a)
 Aos elementos das forças armadas, cuja situação será oportunamente revista;
b) Aos trabalhadores rurais e empregados domésticos, cuja situação será ulteriormente considerada; c) Aos menores de vinte anos, sem prejuízo do princípio de que, ao serviço da mesma entidade patronal, a trabalho igual deve ser pago salário igual;
 d) Às entidades patronais com cinco ou menos trabalhadores, quando se verifique a inviabilidade económica de ser praticada a remuneração prevista no número anterior.
 3. Para o cálculo da remuneração fixada no n.º 1 não são considerados quaisquer subsídios, gratificações ou prémios.
 4. A remuneração a que se refere o n.º 1 entende-se como referente a trabalho a tempo completo.
 Art. 2.º -
1. Para efeitos do n.º 1 do artigo anterior, a remuneração dos trabalhadores em regime de tempo parcial, ou pagos à quinzena, à semana e ao dia, será calculada multiplicando o valor da remuneração horária do trabalho pelo número de horas mensais, quinzenais, semanais ou diárias prestadas.
 2. O valor da remuneração horária do trabalho traduz-se na fórmula (3 300$00 x 12)/(52 x n), sendo n o número de horas correspondente ao período normal de trabalho semanal.
 3. O processo de cálculo previsto nos números anteriores apenas se aplica aos trabalhadores em relação aos quais não esteja estabelecido o pagamento dos descansos semanais.
 Art. 3.º -
1. A partir da entrada em vigor do presente diploma não poderão praticar-se remunerações inferiores à prevista nos termos dos artigos precedentes, ainda que aquelas tenham sido estabelecidas em contratos de trabalho anteriormente celebrados ou estejam estipuladas em instrumentos de regulamentação colectiva vigentes.
 Art. 4.º -
 1. Todas as remunerações iguais ou superiores a 7 500$00 mensais são estabilizadas no seu montante actual e não poderão ser alteradas durante o prazo de trinta dias, a contar da data da entrada em vigor do presente diploma.
 2. O disposto no número anterior aplica-se aos vencimentos e a todas as outras formas de remuneração de administradores, gerentes, directores ou membros dos órgãos sociais ou similares de quaisquer sociedades ou empresas privadas ou públicas.
 3. Não poderão ser alterados os quantitativos dos prémios, gratificações e outras formas de retribuição percebidas por aqueles que aufiram as remunerações previstas no n.º 1.
 Art. 5.º -
1. No que se refere a remunerações compreendidas entre 3 300$00 e 7 500$00 mantém-se a liberdade de contratação no sector privado.
 2. As entidades patronais devem comunicar, no prazo de vinte e quatro horas, ao Ministério do Trabalho - Divisão de Salários - quaisquer alterações verificadas nas retribuições vigentes e que se compreendam nos limites definidos no número anterior.
 3. Poderá o Governo não autorizar as alterações que considere incompatíveis com a estabilidade económica ou contrárias à justiça social.
 Art. 6.º -
1. O Governo poderá criar mecanismos de conciliação adequados para os diferendos entre entidades patronais e trabalhadores e respectivas organizações representativas.
 2. O Governo poderá intervir, para salvaguarda da estabilidade económica ou garantia da justiça social, na solução de diferendos entre as entidades patronais e trabalhadores e respectivas organizações representativas, designadamente fixando remunerações e estabelecendo condições para a laboração das empresas.
 3. O Governo publicará, no prazo de trinta dias, legislação adequada sobre organizações sindicais de trabalhadores e associações patronais, bem como legislação que regulamente a greve, o lock-out e as relações colectivas de trabalho.
 Art. 7.º
Sem prejuízo da imediata entrada em vigor das remunerações previstas no artigo 1.º, o Governo aprovará, no prazo de trinta dias, medidas necessárias à revisão dos vencimentos do funcionalismo público e administrativo.
 Art. 8.º -
1. São congelados durante trinta dias os preços dos bens e serviços em todos os estádios de produção, transformação e comercialização, aos níveis praticados em 24 de Abril de 1974.
 2. Se nesse dia não tiver sido registada qualquer transacção, os preços a observar serão os praticados na data imediatamente anterior em que tenha havido transacções.
 3. Aos produtos vendidos em regime de lota ou leilão não se aplica o disposto no n.º 1, mantendo-se em vigor as margens de comercialização fixadas em diplomas anteriores.
 Art. 9.º -
1. São congeladas por trinta dias as rendas de prédios urbanos aos níveis praticados em 24 de Abril passado.
 2. Excluem-se do disposto no número anterior os fogos para habitação por curtos períodos em praias, termas ou outros locais de vilegiatura.
 3. O Governo promoverá, no prazo de trinta dias, a publicação do diploma destinado a evitar a especulação com rendas de habitação e com transacções de prédios urbanos. 
Art. 10.º -
 (Revogado)
 Art. 11.º
O quantitativo mensal das pensões de invalidez e velhice atribuídas aos beneficiários da Caixa Nacional de Pensões e das caixas de reforma ou previdência com entidades patronais contribuintes não pode ser inferior a metade do montante mensal da remuneração fixada no artigo 1.º.
 Art. 12.º
No prazo de quinze dias, a contar da data de entrada em vigor deste diploma, será fixada, por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais, uma pensão social a atribuir a todas as pessoas inscritas no Instituto da Família e Acção Social ou na Misericórdia de Lisboa para efeitos de concessão de subsídios de assistência.
 Art. 13.º
Os quantitativos fixados nos artigos 10.º e 11.º deste diploma poderão ser aumentados por despacho do Ministro dos Assuntos Sociais.
 Art. 14.º
Os benefícios previstos nos artigos 10.º, 11.º e 12.º do presente diploma serão concedidos a partir do dia 1 de Julho de 1974.
 Art. 15.º -
1. É criada no Ministério da Coordenação Económica a Comissão de Apoio às Pequenas e Médias Empresas, com o objectivo de acelerar e alargar as formas de auxílio a essas unidades produtivas. 2. Esta Comissão integrará representantes de vários serviços do Ministério e das instituições de crédito, sendo a regulamentação da sua actividade feita por despacho do Ministro da Coordenação Económica. 3. No prazo de três meses deverá proceder-se à institucionalização de formas permanentes de apoio às pequenas e médias empresas.
 Art. 16.º -
 1. A venda de bens ou a prestação de serviços com infracção do disposto no artigo 8.º, n.º 1, do presente diploma constitui crime de especulação punido nos termos gerais, mas com o seguinte regime específico: A pena de prisão não será extraordinariamente reduzida nem substituída por multa, não podendo para além dos casos a que se refere o artigo 88.º do Código Penal ser decretada a suspensão da pena. Não se aplica o regime específico havendo mera negligência. 2. Qualquer perturbação introduzida no congelamento das rendas de prédios urbanos a que se refere o n.º 1 do artigo 9.º do presente diploma será punida nos mesmos termos do número anterior deste artigo. 3.
O crime de açambarcamento previsto no artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 41204, de 24 de Julho de 1957, será punido com pena de prisão maior de dois a oito anos.
 Quando houver mera negligência, a pena aplicável será a de prisão de três a seis meses e multa, podendo a multa excepcionalmente ser reduzida a metade.
 A tentativa de açambarcamento, bem como a frustração, serão sempre puníveis.
4. É aplicada a multa de 500$00 a 5 000$00, variável conforme as circunstâncias, a todo aquele que deixe de efectuar voluntariamente a comunicação prevista no artigo 5.º, n.º 2, do presente diploma. 5. Os agentes das infracções serão solidariamente responsáveis pelo pagamento do quantitativo das multas.
 Art. 17.º -
1. As infracções cometidas em matéria de preços e abastecimentos poderão ser comunicadas por qualquer pessoa, quer directamente à Inspecção-Geral das Actividades Económicas, quer através da Polícia Judiciária, Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana e Guarda Fiscal.
 2. Nesta última hipótese, aquelas entidades levantarão imediatamente o respectivo auto sumário e enviá-lo-ão, no prazo de vinte e quatro horas, à delegação mais próxima da Inspecção Geral das Actividades Económicas.
 3. A comunicação das infracções cometidas em matéria de rendas far-se-á nos termos previstos nos números anteriores.
 4. A comunicação das infracções relativas a rendimentos do trabalho será feita à Divisão de Salários do Ministério do Trabalho, devendo a Inspecção do Trabalho levantar auto sumário, que será enviado no prazo de vinte e quatro horas ao tribunal competente.
 Art. 18.º
Se se verificarem restrições no abastecimento público poderá o Secretário de Estado do Abastecimento e Preços, por simples despacho, tomar as medidas previstas no Decreto-Lei n.º 158/74, de 19 de Abril, relativas à requisição compulsiva de quaisquer produtos ou mercadorias.
 Art. 19.º
O Governo publicará, no prazo de trinta dias, legislação instituindo mecanismos para o contrôle directo e selectivo dos preços.
 Art. 20.º
As dúvidas surgidas na interpretação e aplicação deste diploma serão resolvidas por despacho conjunto assinado pelo adjunto do Primeiro-Ministro e pelo Ministro ou Ministros dos departamentos interessados.
 Art. 21.º
 Este diploma entra imediatamente em vigor.
 Visto e aprovado em Conselho de Ministros. - Adelino da Palma Carlos - Vasco Vieira de Almeida - Avelino António Pacheco Gonçalves - Mário Murteira.
 Promulgado em 27 de Maio de 1974.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.

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