2 de maio de 2010

CHICO MARTINS: RESISTENTE ANTIFASCISTA

Francisco Martins Rodrigues, aliás, Chico Martins, 1927-2008
Francisco Martins Rodrigues (1927-2008)
Na madrugada desta terça feira, 22 de abril, faleceu em Lisboa, Francisco Martins Rodrigues, aliás, Chico Martins, aos 81 anos. Veterano militante comunista durante quase seis décadas, Chico Martins foi uma das lideranças mais importantes da resistência anti-fascista. Iniciou as suas lutas em 1949 no MUD (Movimento de Unidade Democrática). Entrou no PCP (Partido Comunista Português) em 1951, e foi condenado a três anos de prisão pela ditadura salazarista em 1957. Conheceu Álvaro Cunhal na prisão de Peniche, e participou da fuga espectacular de 1960.
Membro do comité central do PCP, Chico Martins encabeça a dissidência com a direcção do PCP, no contexto da cisão entre Pequim e Moscovo, sendo expulso em 1964, quando impulsiona a fundação da Frente de Ação Popular (FAP) e depois o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP). Preso novamente em 1966, quando sofreu torturas atrozes, só ganhou a liberdade dois dias depois do 25 de Abril de 1974.
Chico Martins esteve na fundação da União Democrática Popular (UDP) em Dezembro de 1974, e conheceu Diógenes Arruda, liderança brasileira do PCdB. Em 1984, rompe com a União Democrática Popular e funda a Organização Comunista Política Operária, em um processo de ruptura com o estalinismo. Desenvolve uma auto-crítica programática da estratégia de colaboração de classes. Homem de simplicidade no trato, foi respeitado pela sua grande cultura, pela inteligência aguda, honestidade irreprochável, fino humor e, sobretudo, por ser um militante incansável. Foi até o seu último suspiro um militante revolucionário.
Chico Martins, ou o «camarada Campos» - pseudónimo da clandestinidade - liderou a crítica pela esquerda ao PCP no período mais duro da resistência à ditadura. Nos anos sessenta apoiou as críticas chinesas à União Soviética e fundou o CMLP (Comité Marxista-Leninista Português). Em 1964, escreve «Luta Pacífica ou Luta Armada» um texto de oposição ao «Rumo à Vitória» de Álvaro Cunhal, defendendo a luta armada como estratégia de combate ao salazarismo. Suas posições expressavam a necessidade da radicalização da luta contra o regime de Salazar, após a candidatura de Humberto Delgado e o início da guerra colonial, no contexto mundial da vitória da revolução cubana, da derrota da França na guerra da Argélia, e da escalada da guerra no Vietnam. Visitou Moscovo e Pequim. Em 1964, ao lado de João Pulido Valente e Rui D’Espiney cria a Frente de Ação Popular (FAP) e o Comité Marxista-Leninista Português (CMLP), com o objectivo de refundar o Partido Comunista. É preso de novo em 1966, condenado a 19 anos de prisão.
Depois do 25 de Abril, o CMLP se unirá à Organização Comunista Marxista-Leninista Portuguesa (OCMLP) e à União Revolucionária Marxista-Leninista (URML) e constituirão o Partido Comunista Português Reconstruído PCP(R), uma organização que se mantém na clandestinidade, da qual a União Democrática Popular (UDP) será a frente eleitoral. Francisco Martins Rodrigues alimentou divergências programáticas com o estalinismo desde 1976 e foi expulso tanto do PC(R) como da UDP, em 1983. Liderou a formação da Organização Comunista Política Operária em 1984 e assumiu, desde então, a tarefa de director da Revista mensal Política Operária. Manteve nas últimas décadas relações amistosas com os militantes que se reivindicam da Liga Internacional dos Trabalhadores (LIT)-Quarta Internacional.
O destino de quem escreve se uniu ao de Chico Martins quando, em 1966, ainda uma criança de nove anos, fui viver em Lisboa, acompanhando minha mãe que tinha sido transferida pelo Itamaraty para Portugal, e meu primeiro amigo de escola primária, na quarta série, foi o Pedro. Ele era o filho mais velho de Chico Martins. Dizem, das amizades da infância, que são inquebrantáveis. Algumas, no entanto, são insubstituíveis. Só voltei ao Brasil em 1978. Nossa estreita amizade naqueles anos nos levou à descoberta comum, talvez muito precocemente, da militância. Foi ao lado de Pedro, seguindo-o, que me uni ao movimento do secundário, e foi sob a influência militantes da CMLP que descobri o marxismo.
Ensinaram-me, também, sobre a valentia e a honra, pelo exemplo, tudo o que havia por aprender. Nos últimos anos, mantive uma correspondência cordial com Chico Martins. Foi, para mim, motivo de imenso orgulho que ele tenha considerado útil publicar alguns artigos meus na Revista Política Operária. Escrevo estas linhas com o coração apertado. Chico Martins passou doze anos de sua vida na prisão, e outros tantos anos na clandestinidade. Mas, nunca perdeu a jovialidade. Não se deixou vencer pela amargura. Recomeçou a militância organizada, em condições especialmente difíceis, mais de uma vez. Não tinha receio de corrigir suas posições. Sabia que a capacidade de auto-crítica não diminui um revolucionário, ao contrário, o engrandece. O mundo ficou um pouco menor sem ele.

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